quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Águas Salgadas

Como ultimamente eu não tenho tido idéias mirabolantes pra escrever, tanto sobre a vida quanto contos, ou poesias, ou coisa que o valha, eu vou postar aqui a poesia que fiz quando tinha por volta dos 13 anos e participei de um concurso da Sanasa. Me rendeu o primeiro lugar e saiu no calendário deles de 2004 (junto com uma foto que não tem muito a ver, mas tudo bem) no mês de Outubro.

Águas salgadas
Às vezes douradas
Quando refletem
Os raios de luz do horizonte
E soa o som da onda
E o cheiro de maresia
Conchas sobre a areia abandonadas
Enfeitam as diversas entradas
Para o sabor do sal
E a cor do salmão
E o som dos animais
Tudo sempre especial
Perguntamos se é
Sem fim como o céu
Ou finito como as estrelas
Nos confins dos oceanos
Existe a perfeita mistura
De cores, sons e sabores,
Sob a luz do Sol ou da Lua
Ondas passeiam pelas areias
Jogam-se nas rochas
Contornam a costa
Recortam a margem
Retornam e tornam,
Brincam de pega com as crianças
Mas sempre nos pés dos pescadores
Sem cessar
Vão, voltam, dançam,
As ondas do mar não se cansam.

[A poesia é originalmente cinética (de modo que os versos ficavam deslocados imitando as ondas), mas o blog não permite que eu reproduza dessa forma, sabe como é.]

sexta-feira, 17 de julho de 2009

João e Maria

Ele atirou na garota.
Como um reflexo instantâneo ele puxara o gatilho, e esta era a única coisa que lembrava quando entrou no carro. A pressão que fez com o dedo indicador, o suor quente entre a pele e a arma e o estampido quase repentino estavam se repetindo dentro de sua cabeça. Ele aguardava o semáforo abrir, tentando esclarecer para si mesmo o que fizera há minutos atrás.
Por mais que tentasse focar em alguma passagem além do tiro em si, o esforço se fazia inútil, afogado pela maldita tensão que a demora da luz verde em brilhar lhe causava. Não queria estar ali entre aquelas pessoas que, atravessando a faixa de pedestres ou esperando em seus respectivos carros, olhavam para ele por detrás daquele vidro como se já soubessem de tudo. Naquele momento todos eram puros, como que absolvidos de todos os seus pecados, uns verdadeiros santos que não carregavam culpa alguma. Exceto ele.
Sentindo-se despido, fechou os olhos. O estalo do tiro ecoou e lhe fez abri-los, como se se assustasse novamente com o barulho, como se não fosse uma lembrança. Resolveu ligar o rádio na tentativa de acalmar os ânimos. Tremendo de nervosismo, a mão direita soltou da direção, onde estava tão firmemente agarrada que doeu ao esticar os dedos para alcançar o botão on/off. Ligou. O toca-fitas começou a funcionar automaticamente, rodando uma fita que já estava colocada. Uma música começou a tocar, ainda estava na introdução. Era um violão, uma flauta... Parecia desconhecida, mas em algum tom lhe começou a soar familiar, infantil, de maneira que foi tranqüilizando-o.
Repentinamente o disparo alto e contínuo de uma buzina enfezada lhe assustou mais uma vez, de modo que ele voltou a ficar agitado e desligou o rádio num reflexo instantâneo. Olhou para cima e viu que o semáforo já apontava o verde e o homem que buzinava protestava no carro de trás contra a demora. “Vai esperar o sinal fechar de novo pra andar?!”, exclamava, com a cabeça do lado de fora do veículo. Aflito, ele tratou de acelerar o carro. Tomou a pista da esquerda rapidamente e acelerou o máximo que podia, naquela grande avenida. Entrou na primeira rua à esquerda que encontrou, era consideravelmente movimentada. Seguiu dobrando ruas aleatoriamente até que virou à direita numa ruela escura, sem outros carros circulando, e somente casas simples e pequenas existiam dos dois lados. Olhou ao redor e pelos retrovisores: não havia ninguém, era ideal.

Diminuiu a velocidade e encostou o carro à direita, sob uma árvore grande, de copa baixa. Freou, puxou o freio de mão, apoiou os pés no chão. Respirou fundo, de certa forma aliviado: sem pares de olhos para culpá-lo podia tentar fingir que nada daquilo havia acontecido. Sozinho, nem parecia que vivia a realidade! Soltou as mãos da direção vagarosamente, e esfregou-as nas pernas, sobre a calça jeans, na tentativa de se livrar do suor. Secas, ele as fechou e abriu três ou quatro vezes para aliviar a tensão. Pensou por algum momento antes do próximo movimento: ele queria ouvir aquela música, gravada naquela fita, talvez por ela, talvez um presente que ganhou, mas que ela nem teve chance de ouvir inteira pela última vez. Porém tinha a sensação de que quando corrompeu aquele estado da tal fita cometeu outro crime. Aquele estado que podia ser eternamente da garota, naquela introdução, naquele ponto em que ela abandonou a música (por que ela deixou a música naquele ponto? Por que não ouviu mais?), ele alterou. Além de acertá-la com uma bala e possivelmente matá-la, ele arruinara aquela singular impressão, provavelmente uma das muitas, mas ainda assim singular, que ela deixara no mundo e que agora estavam contadas. Resolveu abrir mão dos pensamentos, afinal, qualquer que fosse o sentido daquilo tudo, a impressão já estava arruinada.
Então ele lembrou. Lembrou de seus olhos distraídos, da cor escura dos cabelos balançando no vento da noite que acabara de baixar. Ela estava saindo de seu carro. O casaco que vestia era verde ou azul... Talvez marrom. Vestia calças jeans. Era bonita. Dane-se! Essas coisas nem interessavam, ele estava desesperadamente nervoso, estava sozinho, era muito conveniente que ela estivesse ali, que fosse mulher, que estivesse sozinha. Sentia a arma sacudindo em seu bolso e por algum momento teve alguma raiva de si mesmo, que passou rápido. Ele estava decidido, não era a primeira vez que assaltaria, nem provavelmente seria a última, embora toda vez ele desejasse que fosse a última. Não havia ninguém mais na rua, isso ele checara com alguma perícia criminosa que tinha. Ela estava distraída, mas em certo ponto percebeu a presença estranha. Os olhares se fixaram. Ele abordou-a. Talvez tivesse nascido pra isso. Ela estava agindo nos conformes, entregando a chave do carro. Ele queria a bolsa, tentou arrancar de seu ombro. Que merda! Ela segurou a bolsa firme e gritou. Foi o que bastou. O arrependimento lhe arrebatou de imediato. Maldito reflexo! Largou a arma no chão, largou-a, largou seus propósitos, a covardia e a coragem e entrou no carro. Tinha que fugir. Não era pra ter acontecido! Agora não queria mais pensar nisso. Queria esquecer. Queria ouvir a música.
Então, a mão direita foi até o botão on/off do rádio novamente, o dedo indicador pressionou-o, e o tape retomou a música de onde parara. Após o término da introdução, duas vozes, uma masculina e a outra feminina, começaram a cantar num belo dueto. E seus pensamentos começaram a levantar vôo naquelas vozes.

E ele foi ouvindo, imaginando, inventando outra vida, a sua vida se ele tivesse conhecido aquela garota em que atirara. Em outras circunstâncias, em outra época. Eles seriam amigos de infância, crescendo num amor inocente, brincando de caubói, ela era a sua noiva favorita, ele lutaria pelo seu coração, depois lhe inventaria umas serenatas debaixo da janela, não haveria amanhã. Talvez, por algum motivo se separariam, esqueceriam um do outro quando deixassem a infância para sofrer as amarguras da vida. Quem sabe a paixão ficasse guardada em algum canto de seus peitos, crescendo em silêncio, esperando ser despertada novamente. Depois esse momento chegaria, ele agora seria o herói de seus sonhos, e ela não o tiraria da cabeça em noites que nem conseguiria dormir. E mal saberia ela que ele também estaria revirando na cama, pensando nela loucamente, sem conseguir pregar os olhos. Então os dois poderiam ter se encontrado por acaso numa noite. Ela estaria dirigindo seu carro naquela rua deserta em que morava agora, ele estaria andando sem propósito pela calçada desta mesma rua. Convenientemente, numa coincidência que só por Deus. Ela desceria do carro carregando a bolsa, pensando em mil problemas e, quando se pusesse de pé, seus olhares se cruzariam. Todos os problemas virariam fumaça. Demorariam alguns segundos intermináveis para que eles se reconhecessem e quando isso acontecesse, correriam um para os braços do outro como se nunca tivessem se separado. Era fatal, que terminasse assim. E a música terminou.
Olhou para a direita. Seus olhos aguados encontraram os olhos serenos dela, seu sorriso despreocupado. Ele lhe sorriu de volta e desligou o toca-fitas. Ela abriu a porta do carro, levantou-se, saiu, fechou. Ele fez o mesmo. Seguiram então caminhando rua abaixo, misturando-se com as sombras, naquela noite que não tem mais fim.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Céu

Após extinguirem finalmente qualquer resquício das chamas que atearam um ao outro quando há tempos se apaixonaram, os dois permaneceram ali, nus, deitados de costas sobre a grama, em silêncio e de olhos fechados.
A noite estava quente, o céu limpo, o ar parado. Não se ouvia nada além do cricrilar de uma porção de grilos satisfeitos com o calor, e a única luz que havia provinha de uma lâmpada acesa na varanda distante.
Ela respirou fundo e abriu os olhos. Sorriu por um instante.
- Abra os olhos – e ele os abriu – o que vê?
- O céu. Cheio de estrelas... – ele parecia surpreso.
- Aposto que nunca havia visto tantas assim. Não há céu como este aqui de casa. – ela sorriu.
- Está certa. Nunca reparei em céu nenhum. Não há céu na cidade. Não há mesmo.
- Na cidade eles escondem as estrelas pra ninguém ter momento nenhum de poesia... Só os poetas conseguem extrair alguma poesia das cidades.
- Se existisse céu assim, a cidade pararia, todos largariam seus empregos, seus vícios, e virariam poetas...
- Talvez a cidade devesse parar de vez em quando, pra que as pessoas vissem alguma beleza nesse mundo. Todos deveriam ter o direito de serem poetas. As pessoas só pensam que conhecem a beleza. Elas nunca olham para nada. Morrem de medo de descobrir alguma coisa que, por si só tão profundamente encantadora, lhes mostre como a vida delas, até ali, não valeu nada.
Ele não respondeu de imediato.
- Você teve sorte de ter crescido aqui, sabe. O que ficava imaginando quando olhava pra tantas estrelas? Tão pequena e com uma janela tão grande para o universo...
- Não sei exatamente. Eu deitava assim mesmo, na grama, e apreciava a viagem. Ninguém sabe, ou faz muita conta, mas estamos viajando, voando, de verdade. – ela levantou um pouco o tronco, se apoiou no cotovelo direito, virando-se para ele, e bateu com a palma da mão esquerda no chão – sinta a Terra sob nossos corpos e a grandeza desse céu sob nossas cabeças. Não tem nada entre o céu e a Terra além de nós.
Os dois ficaram em silêncio durante algum tempo, apreendendo a solidão de que se deram conta naquele momento, como se no universo não houvesse nem Deus, nem nada.


- No fim das contas – ela rompeu o instante, deitando-se ao lado dele novamente, de costas - não compreendemos nada. Podemos buscar a vida inteira, não entenderemos nada além disso. Talvez seja só isso que se tem para entender...
- Deve ser somente isso – ele segurou a mão dela – não há nada entre eles, céu e terra, além das nossas vidas. Só temos a nós mesmos, mas eu não preciso de mais nada. – ele riu – meu Deus, todos deveriam ter o direito de serem poetas! Não precisamos absolutamente de mais nada além de nós mesmos.
- Sem nós não há tempo, ou amor, ou estrelas.
- Obrigado por me fazer parar por um momento.

E aquele momento seria eterno. Eles ficaram mais uma vez calados, de mãos dadas. O amor que havia entre eles era grande demais ali, no escuro, no silêncio, no chão, sobre suas peles, dentro deles e nas estrelas.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Gata e espelho

O dia 5 de março de 2009 provavelmente deve ter sido um daqueles dias preguiçosos, em que eu não tive aula ou em que a aula acabou mais cedo. E nesses dias, o que eu mais gosto é de sentir de verdade que não tenho hora pra nada, e ficar observando despreocupadamente o que me chamar a atenção. Uma das coisas que eu mais gosto de observar é a Luna, minha gata, aprontando suas felinices pela casa. Ela é siamesa, aquele tipo de siamês simpático, de carinha redonda, meio viralatesco. No tal dia 5, afinal, ela acabou virando inspiração pra um poeminha rápido do qual eu lembrei hoje, e resolvi publicar aqui.

Foi só naquele espelho pesado
herdado do pai e da mãe
que a gata pareceu ter se olhado.
Sentada de lado, ela parece ter concluído
[que a realidade lhe cai bem.

terça-feira, 30 de junho de 2009

Pra começar

A primeira coisa que eu vou fazer aqui é me apresentar. Não que eu ache que muita gente desconhecida vai ler qualquer besteira que eu escrever aqui, ou simplesmente passar os olhos pela cara desse blog, nem nada. Só que, vai que alguem passa, né? E lê. E no fim das contas, é legal se apresentar porque as vezes mesmo quem conhece a gente não conhece o que temos a falar sobre nós mesmos.

Meu nome é Lígia, assino como Lígia Silva. Na verdade é "da Silva". Bem brasileiro, mesmo. Tive uma amiga que ria do meu nome porque era "da Silva", e o dela, que era "Silva" era mais chique. No fim, ela achava mesmo que tinha conseguido me deixar complexada e que eu assinava Lígia Silva porque ela falava essa bobagem, mas não. Quando eu era pequena, minha mãe sempre escrevia meu nome assim nas etiquetas de livros e agasalhos e etc, e eu acho que acabei me acostumando.

Eu estudo arquitetura, desenho desde que me conheço, e sempre fui ligada as artes. Qualquer tipo. Por isso vivo me metendo a pintar, fotografar, atuar, dançar, tocar violão, tudo desse jeito, pela metade. Com a escrita não foi diferente. Eu comecei a escrever assim, por conta (a gente é obrigado a escrever redações na escola, lembrem-se) quando tinha uns 12 anos. Eram poesias. Eu continuo escrevendo-as de vez em quando, mas primeiras eram as melhores, acredite. Um pouco mais tarde começou a estourar essa coisa de fazer blog, todo mundo fazia, aí eu fiz o meu primeiro. Depois veio o segundo. Nem sei mais quantos blogs eu tive, mas sempre acabava parando, porque todo mundo acaba desistindo dessas coisas que só faz na cola dos outros.

Resolvi então lançar um de novo depois de tanto tempo. Não tenho nenhuma pretensão com ele, de levá-lo pra eternidade, simplesmente tive vontade de que acompanhasse minhas férias, pra no fim ter alguma noção de como ela foi. Tive algumas idéias pra textos também, e se conseguir desenvolvê-los, vou publicá-los aqui. (No máximo, você vai ler algumas poesias minhas). E pra me divertir um pouco. Você não sabe como eu me divirto escrevendo essas coisas.