segunda-feira, 6 de julho de 2009

Céu

Após extinguirem finalmente qualquer resquício das chamas que atearam um ao outro quando há tempos se apaixonaram, os dois permaneceram ali, nus, deitados de costas sobre a grama, em silêncio e de olhos fechados.
A noite estava quente, o céu limpo, o ar parado. Não se ouvia nada além do cricrilar de uma porção de grilos satisfeitos com o calor, e a única luz que havia provinha de uma lâmpada acesa na varanda distante.
Ela respirou fundo e abriu os olhos. Sorriu por um instante.
- Abra os olhos – e ele os abriu – o que vê?
- O céu. Cheio de estrelas... – ele parecia surpreso.
- Aposto que nunca havia visto tantas assim. Não há céu como este aqui de casa. – ela sorriu.
- Está certa. Nunca reparei em céu nenhum. Não há céu na cidade. Não há mesmo.
- Na cidade eles escondem as estrelas pra ninguém ter momento nenhum de poesia... Só os poetas conseguem extrair alguma poesia das cidades.
- Se existisse céu assim, a cidade pararia, todos largariam seus empregos, seus vícios, e virariam poetas...
- Talvez a cidade devesse parar de vez em quando, pra que as pessoas vissem alguma beleza nesse mundo. Todos deveriam ter o direito de serem poetas. As pessoas só pensam que conhecem a beleza. Elas nunca olham para nada. Morrem de medo de descobrir alguma coisa que, por si só tão profundamente encantadora, lhes mostre como a vida delas, até ali, não valeu nada.
Ele não respondeu de imediato.
- Você teve sorte de ter crescido aqui, sabe. O que ficava imaginando quando olhava pra tantas estrelas? Tão pequena e com uma janela tão grande para o universo...
- Não sei exatamente. Eu deitava assim mesmo, na grama, e apreciava a viagem. Ninguém sabe, ou faz muita conta, mas estamos viajando, voando, de verdade. – ela levantou um pouco o tronco, se apoiou no cotovelo direito, virando-se para ele, e bateu com a palma da mão esquerda no chão – sinta a Terra sob nossos corpos e a grandeza desse céu sob nossas cabeças. Não tem nada entre o céu e a Terra além de nós.
Os dois ficaram em silêncio durante algum tempo, apreendendo a solidão de que se deram conta naquele momento, como se no universo não houvesse nem Deus, nem nada.


- No fim das contas – ela rompeu o instante, deitando-se ao lado dele novamente, de costas - não compreendemos nada. Podemos buscar a vida inteira, não entenderemos nada além disso. Talvez seja só isso que se tem para entender...
- Deve ser somente isso – ele segurou a mão dela – não há nada entre eles, céu e terra, além das nossas vidas. Só temos a nós mesmos, mas eu não preciso de mais nada. – ele riu – meu Deus, todos deveriam ter o direito de serem poetas! Não precisamos absolutamente de mais nada além de nós mesmos.
- Sem nós não há tempo, ou amor, ou estrelas.
- Obrigado por me fazer parar por um momento.

E aquele momento seria eterno. Eles ficaram mais uma vez calados, de mãos dadas. O amor que havia entre eles era grande demais ali, no escuro, no silêncio, no chão, sobre suas peles, dentro deles e nas estrelas.

4 comentários:

V.H. de A. Barbosa disse...

Alberto Caeiro iria ficar orgulhoso.

Gostei bastante, me emocionou.

Já chegou a olhar dessa maneira para o céu?

Neto disse...

Realmente, muitas pessoas preferem não perceber o que existe em sua volta apenas por um medo que por assim dizer, é babaca.
Lindo Lee
Bjuss

Projeto Interdisciplinar disse...

Demais.

Te amo.

Marcel Stats disse...

e essa mensagem subliminar no titulo?